sexta-feira, 13 de junho de 2008

[5] Parabéns Maria Helena [Vieira da Silva]!

Comemora-se hoje o centenário de uma das mais importantes pintoras do século XX – Maria Helena Vieira da Silva.

Maria Helena Vieira da Silva nasceu em Lisboa a 13 de Junho de 1908, filha de Maria da Graça e de Marcos Vieira da Silva, diplomata.

No Inverno de 1910, o pai leva a família para Leysin, na Suiça, esperançoso numa cura para a sua tuberculose. Um ano mais tarde, falece no sanatório e Vieira da Silva regressa com a mãe a Lisboa, onde permanecerá na casa do avô, até 1926.

Maria Helena não frequenta a escola, mas, em casa do avô, aprende a tocar piano e tem aulas de Português, Francês e Inglês. A casa é muito grande e cheia de livros que a pintora, para fugir ao enfado, lê sem restrições. Os Verões são passados em Sintra, numa casa situada na encosta atrás do Palácio da Vila.

Em 1924 frequenta as aulas de escultura da Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa e, dois anos mais tarde, dedica-se ao desenho anatómico.

Ao sentir que já não consegue progredir artisticamente em Lisboa, muda-se para Paris, na companhia da mãe. É o ano de 1928. Instala-se no Hotel Medical na rua Faubourg St. Jacques e começa então a esculpir. Ao visitar os museus de Paris, sente uma grande distância entre os seus anseios artísticos e as obras do passado, relativamente às quais confessa alguma incompreensão. Ao invés, sente uma natural proximidade com os pintores impressionistas. Van Gogh, Gauguin e Cézanne influenciam Vieira da Silva que reconhece nas pinceladas destes artistas as estruturas de uma ordem subjacente à realidade visível, acentuando novas formas na plasticidade espacial.

A Primeira Guerra Mundial deixou as suas marcas também no meio artístico, abalando a relação homem/mundo e relativizando convicções firmadas. Vive-se uma época fértil em arte e em paradigmas plásticos. Quando inquirida sobre a sua filiação em algum movimento, Vieira afirmava que não queria ser membro de seita alguma, mas reconhecia as influências do impressionismo, do surrealismo, do cubismo e da pintura abstracta.

No Verão de 1928, faz uma viagem de estudo por diversas cidades italianas, onde contacta com as obras do Trecento e do Quattrocento. É através delas que se inteira do devir de uma nova concepção do espaço pictórico. Percebe agora a distância que sentia face às obras antigas que via no Louvre. A inquietação era fruto da sugestão da perspectiva central no mimetismo do espaço que o olhar humano projecta.

Regressando a Paris, prossegue os seus estudos com um novo à vontade. Ainda em 1928, faz desenho de modelo nu na Académie de la Grande Chaumière, onde conhece o pintor húngaro Arpad Szenes. Trabalha também no atelier do escultor Bourdelle.

Em 1929 estuda sucessivamente com os pintores Dufresne, Waroquier e Friesz, na Académie Scandinave. Frequenta o Atelier 17, onde se familiariza com as técnicas gráficas e passa algum tempo no atelier de Fernand Lèger, onde se apaixona pela dinâmica da vida. Interessa-se igualmente pela representação do movimento no futurismo italiano.

Casa-se com Arpad Szenes em 1930 e com ele viaja até à Hungria e à Transilvânia. Nesta viagem realiza um conjunto de esboços que traduzem a dimensão existencial do espaço. A pintora afirma ser o espaço incomensurável para o olhar e que o sente como uma porta fechada que a impossibilita de conhecer coisas essenciais – só a morte abriria essa porta.

Volta a Paris e, ainda nesse ano, participa pela primeira vez numa exposição em Lisboa, a cidade que a viu nascer.

Em 1931 desloca-se a Marselha, participando no Salon des Surindépendents e no Salon d’Automne, já novamente em Paris.

No ano seguinte, com o marido, segue lições na Académie Ranson, orientada por Bissière.
Jeanne Bucher organiza a primeira exposição individual de Vieira da Silva, em 1933. Em Portugal, expõe na Galeria UP, no ano de 1936.

Por esta altura, acontece uma viragem radical no processo de elaboração do espaço – um retorno ao esquema tradicional da perspectiva linear, ligado à introdução de uma linguagem plástica puramente abstracta. A superfície bidimensional, até então de fundo indefinido, é alterada pelas linhas de fuga da perspectiva central e transforma-se num espaço-caixa, cujas arestas da face frontal são coincidentes com as margens da tela. Segue-se uma fase de grande produtividade que gira à volta do espaço limitado.

A partir desse ano, Vieira da Silva e Arpad Szenes aderem a um grupo de intelectuais de esquerda que se reúne no Café Raspeil. Os Amis du Monde, para além de discussões sobre a ameaça do fascismo, tratam sobre a “polémica do realismo”, onde se argumenta acerca da legitimidade da linguagem abstracta. De facto, a hesitação entre abstracção e figuração e a tentativa de unificar ambas, é uma constante da obra de Vieira da Silva, até ao final da década de 40.

Ainda neste ano, enfraquecida por uma violenta icterícia, inicia uma nova linguagem plástica que pretende o reforço da ambiguidade espacial. Preocupa-se em libertar-se do ponto de fuga que, segundo ela, era reminiscência de um imaginário espacial ultrapassado. Estruturas de rede e grelhas hermetizam o espaço, qual metáfora de um mundo incerto e complexo, que apenas fragmentariamente se pode apreender.

Em 1937 conhece Matisse e Braque; conjuntamente com o marido, projecta tapeçarias a partir desses pintores. No ano seguinte, o casal muda-se para o Boulevard St. Jacques mas, face à ameaça da guerra, regressam a Portugal em 1939.

O estado português recusa um grande quadro de Vieira da Silva sobre Lisboa, destinado à Exposição do Mundo Português de 1940; recusa-lhe também a possibilidade de recuperar a nacionalidade portuguesa, perdida com o seu casamento. Face a tal conjuntura, Vieira da Silva e Arpad Szenes exilam-se no Brasil, no Rio de Janeiro.

Por esta época, o espaço adquire a sua verdadeira dimensão com a inserção do elemento humano. Vieira trata as suas pinturas pressupondo um olhar sobre o mundo de um ponto de vista extrínseco. A superfície cobre-se de padrões que se adensam ou condensam, formando figuras. Trata-se de um espaço-palco construído por linhas, grelhas, quadrados e losangos onde se inscrevem as figuras. A existência humana é jogada numa posição deslizante em que o homem se torna mero vestígio da sua passagem.

Vieira da Silva participa em 1942 na Exposição do Museu Nacional de Belas Artes e, em 1944, expõe na Galeria Ashkanazy, mas a reacção da crítica é negativa. O Brasil era, na época, culturalmente conservador, valorizando a pintura figurativa. Apesar disso, o pintor uruguaio Carlos Sciliar realiza um filme sobre o casal, no ano seguinte.

No Rio de Janeiro, Vieira pinta sobretudo guaches, já que o calor não propicia a pintura a óleo. Pinta com algum saudosismo a cidade de Lisboa, pinta vistas do Rio de Janeiro, retratos de amigos como Cecília Meireles, Murilo Mendes e outros. Pinta também auto-retratos com forte componente de identificação com o drama da guerra. Como o casal não consegue viver apenas dos quadros, Arpad começa a dar cursos de pintura no seu atelier e Vieira contribui pintando em suportes cerâmicos.

Em 1945, expõe no Salon dês Réalités Nouvelles, em Paris; no ano seguinte, no Palácio Municipal de Belo Horizonte e em Nova Iorque, onde Mark Tobey adquire um quadro seu.

Em Março de 1947, regressa a Paris. Arpad irá reencontrá-la dois meses depois.

No ano de 1949 expõe na galeria Pierre Loeb, em Paris; na galeria Trouvaille, em Lille, e na galeria Blanche de Estocolmo.

Após novas e sucessivas exposições, é-lhe atribuído o Prémio da II Bienal do Museu de Arte Moderna de S. Paulo. É já uma pintora internacionalmente consagrada.

É comum Vieira da Silva retomar temas e elementos de trabalhos anteriores. A procura do espaço prossegue no período do pós-guerra, agora transfigurado graças à multiplicação de perspectivas e graças a uma nova diversidade em que a desordem funciona como metáfora ao alheamento e à desorientação do homem moderno. O seu trabalho denota uma crescente depuração plástica. Primeiramente, continuando as experiências do espaço pictórico hermeticamente fechado, numa perspectiva central de espaço-palco. Depois, prossegue para uma espacialidade descontínua onde o predomínio do ponto de fuga é enfraquecido por uma multiplicidade desorientadora de direcções. A figura humana permanece, porém, menos visível – mais adaptada à sua escala. Os quadros tornam-se como que organismos vivos onde o olhar do espectador pode passear na ambiguidade e nas contradições da espacialidade pictural. O espectador não é passivo: participa, subindo, descendo, saltando com o olhar; no fundo, reiterando a dimensão temporal. Erguem-se esqueletos transparentes de linhas que transmitem o fascínio da pintora pelas grandes aglomerações urbanas. São estruturas que se tecem e que relacionam a unicidade do ser com a cosmovisão (simultaneamente abstracta e concreta) que a pintora procura através de um equilíbrio entre a espontaneidade e a ideia preconcebida.

As composições labirínticas e a multiplicação de perspectivas podem ser vistas como uma metáfora das coordenadas da existência humana. Abrem-se corredores e passagens, cujas partes minúsculas são dimensionadas tendo em conta uma construção gigantesca. Nas estruturas labirínticas há a inevitabilidade do erro e da perda. O centro destes fragmentos labirínticos é a tal porta que esconde acontecimentos essenciais, intransponível pelo olhar, assinalando a questão existencial e integrando a incerteza como apanágio determinante da consciência moderna.

Com a morte de Arpad Szenes em 1985, este sentido metafórico do labirinto alterar-se-á, permanecendo em estrita relação com a morte, com o fim do caminho.

Vieira da Silva falece no dia 6 de Março de 1992.

2 comentários:

Lonely Anthony disse...

Hello

Lurdes Pelarigo disse...

Fiquei maravilhosamente espantada pela antecipação/divulgação de uma actividade a realizar "apenas" no início de 2009. Coisa pouco comum entre nós esta planificação na distância do tempo, no rigor do que se quer que saia o melhor possível. Excelente o design e o conteúdo do site.Por tudo isso, as minhas felicitações!

Lurdes Pelarigo