OU O ITINERÁRIO INELUTÁVEL
Minúcia é o labirinto muro por muro
Pedra contra pedra livro sobre livro
Rua após rua escada após escada
Se faz e se desfaz o labirinto
Palácio é o labirinto e nele
Se multiplicam as salas e cintilam
Os quartos de Babel roucos e vermelhos
Passado é o labirinto: seus jardins afloram
E do fundo da memória sobem as escadas
Encruzilhada é o labirinto e antro e gruta
Biblioteca rede inventário colmeia –
Itinerário é o labirinto
Como o subir dum astro inelutável –
Mas aquele que o percorre não encontra
Toiro nenhum solar nem sol nem lua
Mas só o vidro sucessivo do vazio
E um brilho de azulejos íman frio
Onde os espelhos devoram as imagens
Exauridos pelo labirinto caminhamos
Na minúcia da busca na atenção da busca
Na luz mutável: de quadrado em quadrado
Encontramos desvios redes e castelos
Torres de vidro corredores de espanto
Mas um dia emergiremos e as cidades
Da equidade mostrarão seu branco
Sua cal sua aurora seu prodígio.
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner (1999). In: Obra Poética III. 4ª
Ed. Lisboa: Editorial Caminho.
[] (1989). In: Vieira da Silva - Arpad Szenes, nas Colecções Portuguesas. Porto: Ed. Casa de Serralves – Sec. de Estado da Cultura.p. 47.
MARIA HELENA VIEIRA DA SILVA
OU L'ITINÉRAIRE INÉLUCTABLEMinutie est labyrinthe. Mur à Mur
Pierre touchant la pierre livre sur livre
Rue après rue marche après marche
Se fait et se défait le labyrinthe:
Palais est le labyrinthe et en lui
Se multiplient les salles et scintillent
Les chambres de Babel rauques et rouges
Passé le labyrinthe: ses jardins affleurent
Et au font de la mémoire montent les escaliers
Croisée de chemins de labyrinthe et antre et grotte
Bibliothèque réseau inventaire ruche
Itinéraire le labyrinthe
Comme la montée d'un astre inéluctable
Mais celui qui le parcourt ne recontre
Ni taureau solaire ni soleil ni lune
Mais seulement la vitre sucessive du vide
Et une lueur d'azulejo aimant froid
Où les miroirs dévorent les images.
Epuisés par le labyrinthe nous avançons
Dans la minutie de la recherche l'attention de la recherche
Dans la lumière changeante: du carré au tableau
Nous rencontrons détours réseaux châteaux
Tours de verre corridors d'effroi
Mais un jour nous émergeons et les villes
De l'équité montrent leur blanc
Leur éclat leur aurore leur prodige.
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner (1989). In: Vieira da Silva - Arpad Szenes, nas colecções Portuguesas. Porto: Ed. Casa de Serralves – Sec. de Estado da Cultura.p. 48.
'[...] A nostalgia do passado, infância ou Grécia antiga, implica que à memória seja atribuída significativa importância e uma função de relevo nesse retorno e refazer do tempo. São vários os poemas que o explicitam. Pode ser a «memória longínqua de uma pátria / Eterna e perdida» que «não sabemos / Se é passado ou futuro onde a perdemos»(6). Ou, num poema sobre a pintura de Vieira da Silva, fala do passado como labirinto dos jardins que afloram e do «fundo da memória sobem as escadas»(7). Num outro texto dedicado à mesma pintora “Landgrave ou Maria Helena Vieira da Silva”, de Ilhas (pp. 68-69), alude ao «olhar que busca o aparecer do mundo e o emergir do visível e da visão, à «memória acumulada» [...]'
José Ribeiro Ferreira (Universidade de Coimbra)
Notas:
(6) . Composição I da série “Poemas de um livro destruído”, incluídos em No Tempo Dividido (p. 9).
(7) . Poema “Maria Helena Vieira da Silva ou o Itinerário inelutável”, de Dual (p. 39). O poema é tratado no estudo «O tema do Labirinto na poesia portuguesa contemporânea» que publiquei em Humanitas 48 (1996), pp. 326-327.
FERREIRA, José Ribeiro (2006) 'Nostalgia do Passado em Sophia'. In: Máthesis 15. pp. 197 -210.
Disponível na Web:
http://z3950.crb.ucp.pt/biblioteca/Mathesis/Mat15/Mathesis15_197.pdf
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